Tão logo foi apresentada a linguagem neutra como alternativa sexista para a reformulação das ideias de masculino e feminino no discurso linguístico, deparamo-nos com uma explosão de indignação quase coletiva. Isso pôde ser verificado recentemente nas redes sociais. Os ortodoxos gramaticais , opuseram-se de pronto à ideia de que a desinência de gênero "o" ou "a", possa assumir outra forma que não a dicotômica. Se a linguagem exerce uma função social, não poderia ser diferente. Ainda perdura entre nós a cultura machista, ou a supremacia do "O", expressa nas construções coletivas em que atuam homem e mulher ao mesmo tempo.
Ora, somos todos sequiosos de conforto, acomodação. Queremos sentar numa ideia e nela permanecer de pernas para o ar, degustando da verdade e segurança pelo maior tempo possível. Uma indução secular de padrões comunicativos de acordo com o sexo do sujeito não é transformada de uma hora para outra. As mudanças sociais, que hoje ocorrem de modo mais rápido, pela influência midiática, não fogem ao temor da ruptura de modelos internalizados. E muitos se escandalizam, não tanto pela inércia sacudida pela variação dos signos, mas pela resistência à aceitação da diversidade de gêneros, expressa na luta das comunidades LGBTQIA+.
Por outro lado, é importante entender que a língua é algo vivo e representa o mundo individual de cada falante ou grupo. Não podemos negar a existência de pessoas e seus gêneros diversos, não associados a fatores biológicos. Isso é natural desde os hominídeos e a própria Natureza está a nos provar a todo momento. Entre o branco e o preto não existe o cinza? Entre um dia de sol ou chuva, não convivemos com as nuvens? O meio termo, ou o relativo e não absoluto estão presentes em nossa vida a todo momento. Por que, então, refutar e excluir quem não se enquadra na diática do masculino e feminino e ponto final ?!
Refletir sobre a relação entre um discurso preconceituoso e sua representação linguística pode ser benéfico no momento em que há uma recusa , especialmente entre os professores, em promover a inclusão de outros sexos na identificação dos sujeitos ouvintes. Precisamos falar sobre isso. Talvez tenhamos cometido violência e segregação letrada desde a invenção da escrita. Já pensaram ? Fomos e continuamos a ser generistas ? Ou quem sabe, gramatistas homofóbicos ?Convém bater a mão no peito e expressar um mea culpa.
De todo jeito, tem-se o consolo de que as recriações sociais não se permeiam de uma hora para outra. Pode custar, mas um belo dia, ei-las consolidadas. A resistência dos mais velhos e maduros, ainda muito presente, será arrefecida ao natural, ou mediante a luta individual e coletiva de quem se dedica ao tema.
Todos queremos um pronome para chamar de seu. Mais que um direito, é uma questão de respeito e empatia pelo outro. Se pudemos conviver com a mudança do PH para o F no século passado e muitas outras reformas ortográficas, a tarefa será muito mais ideológica e cultural do que baseada na funcionalidade.
Da minha parte, só temo a escolha do X. A propósito, não irá funcionar. Todx, elx, representarão variações do carioquês. E não quero deixar de ser gaúcha.
Texto: Valderez Oliveira
Professora estadual inativa e ex-servidora do Judiciário